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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

Ministro recomenda reconhecimento de casais GLS como família

"GLSPLANET.COM - 06/02/06A

Conclusão de um parecer do Ministro Celso de Mello, do STF, emitido dia3/2/06, sobre uma ação de autoria da Associação da Parada Gay de SP e Associação de Incentivo à Educação de São Paulo, dá novas esperançaspara casais GLS no Brasil: "A união homossexual deve ser reconhecida como uma entidade familiar e não apenas como sociedade de fato .

O texto do relatório - publicado na revista especializada Consultor Jurídico - reflete as primeiras evoluções da matéria no âmbito do Supremo TribunalFederal, no qual, a união homossexual é reconhecida até hoje somente como sociedade de fato. A opinião do ministro que surgiu após exame da ADI 3.300-DF, da qual o Celso de Mello é relator, sugere que a regência do assunto deve ser tratada, não mais no campo do Direito das Obrigações, mas no campo do Direito de Família.

O ministro extinguiu o processo por razões de ordem técnica a ADI atacou norma legal já revogada - mas fez considerações em que afirmou ser o fato daunião homossexual uma relevantíssima questão constitucional, e pertinente ao STF discutir e julgar, em novo processo, o tema pertinente ao reconhecimentoda legitimidade constitucional das uniões homoafetivas e de sua qualificaçãocomo entidade familiar.

Ministro Celso de Mello entende que deve ser reconhecido o direito à diferençae o direito personalíssimo da pessoa e citou recentes decisões do Tribunal deJustiça do Rio Grande do Sul - a exemplo da desembargadora Maria Berenice Dias- que já deslocou a discussão da união homossexual para o campo do Direitode Família.

Ele comenta que o convívio de pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, ligadas por laços afetivos, sem conotação sexual, cabe ser reconhecido comoentidade familiar. Presentes os requisitos de vida em comum, coabitação, mútua assistência, é de se concederem os mesmos direitos e se imporem iguais obrigações a todos os vínculos de afeto que tenham idênticas características.

Atualmente, a Constituição prevê três enquadramentos de família - a decorrente do casamento (definida nos parágrafos 1º e 2º do artigo 226);
- a família que decorre da união estável (parágrafo 3º do mesmo artigo 226)
e a família decorrente da entidade familiar monoparental (quando ocorre deapenas um dos cônjuges restar com os filhos), definido no parágrafo 4º,também do artigo 226. "

Fonte: GlSPlanet

Caso queira a íntegra desta matéria com a decisão do Min. Celso de Mello, pode pesquisar no site do GlSPlanet ou me pedir por e-mail.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

Revista Bravo - Entrevista com Seu JORGE

Queridos leitores:
Tem sido difícil conciliar coisas simples da vida com um grande e urgente compromisso que assumi no final do ano passado. É tudo ou nada. Por isso passei mais de um mês para escrever aqui novamente. Mas o blog da Mina não morreu!
Retomando a atualização do meu blog, posto entrevista do Seu Jorge à Revista Bravo! E, durante a semana, notícia do interesse GLBT.
Meu carinho a vcs.
Mina Blixen.


Por linhas tortas


Na contramão de sua própria história de vida, Seu Jorge reafirma o prestígio no exterior e, ao lado de Ana Carolina, chega ao primeiro lugar nas paradas de sucesso brasileiras. Leia aqui a íntegra da entrevista concedida a BRAVO!Por Marcus Preto

BRAVO!: O estouro popular do disco gravado com Ana Carolina mancha a imagem de artista cult que você manteve até agora?
Seu Jorge: As pessoas vão achar que é transação de dinheiro, que me deram uma puta grana para eu estar lá dando esse aval para a Ana. Mas não. Na verdade quem está dando um puta aval para mim é ela na FM. Eu não freqüentava isso. Você está pensando que eu vou pagar para Carolina tocar no rádio? Não dou R$ 1! Se eu não pago na França, nos Estados Unidos, no Japão, na Alemanha, por que eu vou pagar no Brasil, que é a minha terra? Não pago! Agora, se a Sony acha legal pagar, problema deles.

Foi preciso ganhar um selo de qualidade internacional para a elite cultural brasileira definitivamente considerar você um produto de luxo?
Foi preciso eu estar concorrendo a dois prêmios na BBC, foi preciso eu estar em quarto lugar na Billboard para alguma coisa acontecer. Tive que dar uma caminhada muito mais longa para poder ser entendido. E não só eu. A Bebel Gilberto, por exemplo, é uma figura maravilhosa mas, para a sociedade brasileira, ela não tem o padrão da gostosa. Se nem para Bebel, com aquele pedigree todo, com aquele talento todo, com aquela categoria toda, neguinho dava moral, por que iam dar moral para Seu Jorge, que mal tem a sétima série e nenhuma especialização acadêmica?

A França não é um país muito acolhedor com estrangeiros. Por que a receptividade foi tão boa com você?
As coisas foram acontecendo. Eu cheguei lá pensando que ia vender 1,5 mil cópias desse disco. Vendi 80 mil. Então, é diferente. Sou um fenômeno, fiz cem shows lotados. A gravadora de lá me fez uma proposta incrível de renovação de contrato. Disseram que eu ajudava a vender música porque eu sou também um cara do cinema, meio da escola do Fred Astaire. Acham que o trabalho que eu levei para a França era importante para o país deles, olha só. O francês! Ele não tem nada a ver comigo! Ele podia ser o cara que me explora, mas ele não tem como me explorar, então faz uma aliança comigo, me dá uma força, me ajuda coisa que o Brasil nunca fez. Nunca tive uma oportunidade no Brasil.

O show na Praça da Bastilha para cem mil pessoas nas comemorações do Ano do Brasil na França ajudou a maximizar sua visibilidade por lá?
Eu toquei lá, foi horrível. Do Rio, só estávamos eu e o Jorge Ben. Desculpa, mas não tinha uma escola de samba, não tinha uma velha guarda. Só tinha o Ilê Aiyê. É foda, foi o Ano da Bahia na França. Quando o Gil entrou no ministério, eu disse: Estou nessa com ele, o único ministro da Cultura que fez cultura. Ele fez 40 anos da cultura do meu país. É ele quem tem que estar lá. O cara não fez nada! Tem que entrar gente jovem na política, gente da nossa idade. Esses velhos não podem mandar mais, não. Eu vou criar meus filhos para a cadeira do Senado. Se eles quiserem ser artistas, tudo bem, mas vou prepará-los para administrar. Eu gostaria de saber administrar um país, mas eu não entendo. Eu só entendo de desigualdade social porque eu sofri desigualdade.

É, você foi morador de rua. Quais as piores imagens que você traz desse tempo?
Você ver o cara que é cheio da grana dar R$ 2 para um compadre tomar conta do seu carrão sabendo que o coitado tem 35 anos, dois, três filhos e está ali se humilhando para não meter a mão na arma? As crianças já sofrem dor de adulto, catando papelão. E as pessoas ainda confundem: é trabalhador de rua, não é indigente, não é delinqüente. O sonho dessa gente não é comprar uma casa, é comprar um barraco. Já está lindo conseguir um lugar coberto onde não chova dentro, um tapetinho, um mínimo de dignidade, onde dê para fazer uma gambiarra de luz... não é água quente. Banho ele toma lá fora com um caneco, está tranqüilo. Mas o Brasil está produzindo essa cabeça de olhar mais o todo.

Você está falando do governo Lula?
Quando me perguntavam do Lula eu dizia: Acho o cara fantástico, o cara é foda!. Mas com esses escândalos que passaram... E ele acabou não se explicando. Devia ter dito: Olha só: o que aconteceu aí foi cagada, mas eu não tenho nada com isso, vamos levantar!. Só que ele não se explicou. Dói, sabe? Ainda mais que eu trabalhei o ano todo... Nós sabemos que a elite não paga impostos. Não está vendo a Daslu aí, toda enrolada? Eles são chiques para caralho, mas estão todos indo para a cadeia, tudo errado. Sapato a sete mil reais, oito mil reais? Só ensinando coisa errada... Lesa a sociedade, não paga imposto. O pobre que é pobre e não pode pagar, paga. A Daslu é mais legal, é mais honesta. Tem que ser preto e ser pobre pra mostrar que é honesto.

Sim, mas você é um dos queridinhos das dasluzetes.
Eu, Mano Brown, todo mundo.

Por que elas escolheram vocês?
Uma grande parte dessa gente também foi criada não é culpa deles num mundo de Barbie, de castelinho. E essas pessoas conseguem se identificar com a gente porque todas têm a comunidade morando dentro das suas casas: lavando, passando, cozinhando pra elas. Então, têm suas referências. Existe uma busca muito grande para que se acabe esse preconceito. Hoje, a gente pode ver muito mais dessas pessoas se julgando porque está bem claro que essa elite é cada vez menor, mais reduzida, precisando ser incluída no processo de montagem do povo brasileiro, no processo intelectual brasileiro. E eles vêem em nós toda essa força.

Mas por que escolheram Seu Jorge, especificamente?
Acho que é muito por causa da virilidade.

Tesão?
Particularmente as meninas, tal, [imitando voz sexy] o Seu Jorge... Outro dia uma revista dessas me ligou para fazer uma foto dos 10 Mais Bonitos. Eu falei que isso não é bom para mim, é bom para outra rapaziada, Dado Dolabella, essa galera que é realmente bonita e preocupada com essa coisa. Eu, não. Afinal, até outro dia eu entrava num ônibus e todo mundo ficava tenso, tinha medo de mim. Eu não posso agora pegar esse papel, porque meus irmãozinhos e meus compadres vão continuar passando pelo que eu passei. Então, não aceito essa configuração para mim.

Mesmo que isso represente a inclusão de um negro entre os 10 Mais Lindos da tal revista?
Puta hipocrisia. Essa coisa está no coração, cara. Não está na camisa da Nike, não está na moda da Daslu. Pô, que coisa mais ridícula aquelas meninas com aquele mesmo cabelinho, o mesmo tamanco, a mesma calça baixa, tudo andando de mão dada uma com a outra, indo para o banheiro. Tem muita gente que tem recursos, mas não sabe o que vai fazer da vida. Vai para a Daslu, pára o carro, o motorista abre a porta... a única neurose que eles têm é quando estão fora do blindado. O mercado da elite está com os dias contados. Quem vai começar a ganhar título de nobreza agora é Jamelão, Beth Carvalho, Cartola. Tudo o que a gente teve de bom, tudo o que a gente teve de orgulho não só negro, mas brasileiro. Não renegando, mas não é bossa nova a minha música de raiz.

A Beth Carvalho discorda de que o trabalho do Marcelo D2 seja uma das possibilidades de evolução para o samba porque não segue o caminho da tradição. O que ela acha da sua música?
Beth me acha mais positivo. Ela sabe que, mesmo não entendendo muito o que a gente que é mais jovem propõe, algumas coisas que ela curte estão ali. Minha idéia é transformar a música brasileira em algo mais universal, menos territorial. Talvez ela implique um pouco com essa coisa americana. Eu também acho que fazer samba, que é nosso, é muito melhor. Mas toda criança preta quer ser o Michael Jackson. Quando eu era pequeno, via aquele moleque cantando para caralho, dançando para caralho, pretinho, amado, respeitado para caralho e a gente, da favela, queria ser respeitado também, pô: Quero ser igual a esse cara!. Foi ele quem trouxe toda a informação para o pop. Se Madonna é o que é, é porque Michael Jackson capinou o quintal para ela. É americano? É. Mas vai dizer que Michael Jackson é ruim? Não pode, dona Beth!

Chico Buarque andou dizendo que o formato canção está moribundo, predestinado a acabar. E o que você faz é canção. Sua arte estaria mesmo com os dias contados?
O Chico Buarque anda na rua, mas ele não vem na noite para ver o que a gente está fazendo. Ele não vem na nossa balada, não vem no nosso show. Ele fica lá na casa dele. Os amigos dele morreram todos, praticamente. Nesse sentido sim, a canção está acabando: ele tem que fazer as paradas todas sozinho. Falta ele dar um rolé, ir para São Paulo, para os becos, ligar para os irmãos novinhos, os moleques que estão interessados na canção. Será que ele conhece o Quinteto em Branco e Preto? O Samba da Vela?

Existe uma distância dos ditos medalhões da música brasileira (Chico, Caetano Veloso, Gilberto Gil) em relação ao trabalho dos artistas da sua geração?
Se rola uma distância até entre ele [Chico] e o Lenine ou o Zeca Baleiro, que são de uma geração anterior à minha, imagina com a nossa galera... Eu não concordo com umas coisas. Gravei a música dele [Cotidiano, sobre arranjo drum´n´bass de Marcelinho da Lua], mas até hoje não sei se ele gostou. A menina [a personagem da canção] ficou com mais anfetamina, mais drogas na veia, mais pop. Talvez ele não goste. Tudo bem se ele não gostou, mas não dizer nada aumenta essa distância. Todo mundo ama o Chico Buarque, todo mundo entende as letras dele, a poesia dele, aquelas palavras. Mas quem me educou mesmo foi Roberto Ribeiro, foi Bezerra da Silva... Esses iam na minha favela tocar. Chico nunca foi.

Você citou Bezerra da Silva, que viveu e se criou sob o título de malandro. Hoje ainda é o caso de a música fazer apologia à malandragem?
É tudo a maneira como você fala. Quando Bezerra falava disso, ele falava em defesa de quem é abandonado. O que é o pai ou a mãe da gente? É tudo quando a gente nasce. Se eles nos largam na lata do lixo, vai crescer com a gente o ódio, o rancor, a mágoa. É assim que nós crescemos. Nós fomos abandonados: africanos, negros, índios, mulatos, nordestinos, mãe solteira, aposentado, criança de rua... Quando isso acontece, não tem ninguém para falar em defesa da favela. Então, não é deixar de fazer apologia a malandro é não ter, nesse momento, com o que contar. Antigamente, a gente tinha o Moreira da Silva, a gente podia contar com ele. Malandragem para ele era tomar leite e dormir cedo. Ou seja, tinha muita filosofia ali que dava para aprender. É essa malandragem que a gente não tem mais. As crianças com seis anos de idade de hoje são completamente diferentes das do nosso tempo.

Em que sentido?
Quando a gente tinha seis, sete anos de idade, os olhos da gente eram os olhos da Branca de Neve, da Gata Borralheira. Exaltar a malandragem, o swing, a gente vai continuar exaltando. Mas temos que dar atenção para essas patologias que são fundamenteis de serem vistas agora. Precisa existir quem olhe pela vida dessa gente, que trabalha todos os dias, que leva a criança no colégio pelo menos para pegar uma merendinha, que toma Ki-Suco, que assiste televisão na casa dos outros porque não tem televisão, essa gente que o Netinho faz o sonho deles.

O Netinho de Paula, apresentador da Record?
O dia de princesa é fundamental! Ele resolve problemas sérios ali. Aquela menina de 19 anos que está acima do peso, que tem um filho, está desempregada. O Netinho já entra com uma cesta básica, um dinheiro para pagar as contas todas, resolve tudo ali na hora. E ainda dá um tapa na comadre, faz o cabelo, unha, arruma um emprego, paga cursos, academia pra ela baixar o peso... Re-sol-ve! Não é caô. Eu já muito a televisão explorar a ignorância e a humildade do povo, mas esse malandro sabe fazer isso direito. Eu tenho dois irmãos e os dois estão desempregados. E eles são “irmãos do Seu Jorge, imagina o bloqueio que é. Pô, tu não é irmão do cara? O cara está rico, parceiro! Está na gringa, ele não te ajuda não? É isso que minha família escuta. O meu estilo de vida está atrapalhando o estilo de vida deles. Eles são minha família, mas o problema é que o que eu faço é uma coisa e o que eles fazem é outra. Só estou na parada porque eu me esforço bastante e criei essa credibilidade com o público.

Sua incursão mais importante no cinema é Cidade de Deus. Durante as filmagens, vocês já tinham noção das proporções que o filme tomaria?
A gente sabia da importância do filme que estava fazendo. Só não sabia que merda ia dar. Eu, particularmente, achava que a mão da ditadura podia cair ali a qualquer hora.

Por causa do filme?
Por causa dos crioulos, das crianças, por causa do tema. Imagina, botaram as crianças para fumar maconha, com revólver na mão. Tem um cara chamado Ciro Darlan que não é fácil! Ele toma filho dos outros e o caramba! Botou pilha para tomarem o filho do D2... Sacou? De repente, aparece um filme de duas horas com moleque fumando maconha, dando tiro, tomando tiro na mão? O filme tratava de coisas sérias e a gente queria ver o que ia acontecer. Mas eu, particularmente, tinha medo de entenderem tudo errado. Foi primeiro filme nesse país onde o negro teve oportunidade de aparecer. Primeiro e único. Assim que saí do cinema no dia da pré-estréia, que tomei aquela porrada, a primeira coisa que pensei foi: Que merda, se tiver um Cidade de Deus 2 eu não vou estar mais, eu já morri, o Zé Galinha já morreu. [rindo] Egoísta, né?

Pois é, o filme fez todo esse estardalhaço entre a classe média, mas sua repercussão na própria comunidade da Cidade de Deus não foi das melhores. Isso afetou você em algum ponto?
Nada. Quando acabou o filme, eu até perguntei se eles iam precisar de mim para alguma coisa, divulgação... Eu imaginava que essa era a vez do Darlan, do Douglas, de gente que estava com mais problema que eu. Eu já tinha uma oportunidade na vida. Ainda estava duro, mas já estava ficando conhecido. Aquilo era novo para mim, mas era ainda mais novo para eles. Então, não fiquei naquela coisa de ai, vou pegar essa caroninha. Assisti à pré-estréia do filme e fui para a França.

A repercussão não foi tão boa na própria Cidade de Deus. MV Bill se manifestou dizendo que o filme explorou a imagem das crianças da CDD e que o tamanho do estigma que elas vão ter que carregar pela vida só aumentou com esse filme. Estereotiparam como ficção e venderam como verdade. Você concorda com ele em algum ponto?
Discordo completamente de tudo o que ele falou. O Fernando Meirelles pegou o sonho de uma pessoa de lá da comunidade, pegou um livro que é um manifesto verdadeiro e autêntico. E não é só a comunidade do Bill que tem problema, não. Não é só Cidade de Deus que é favela, que é fodida e que a polícia dá porrada e humilha as pessoas, que tem tráfico de drogas, que tem fome. E não foi assim que as pessoas de lá foram usadas no filme. Bill deve reconhecer que os meninos da comunidade entraram para o mercado de trabalho e com o próprio talento deles.

Você está falando de Douglas e Darlan?
Exatamente. Não é possível que MV Bill não reconheça que toda essa molecada de quem ele está falando ganhou o mundo, tem hoje um mercado muito superior. Eu mesmo não faço novela em Globo nenhuma, mas faço cinema. Só eu tenho três possíveis filmes para fazer esse ano fora do Brasil e se não fosse Cidade de Deus nada disso seria assim.

O que você está enumerando agora é o que considera benefícios que o filme trouxe aos atores que participaram. O que o Bill reclama é em relação à comunidade.
Esse filme é um manifesto. É ficção sim, mas ninguém nunca vendeu aquilo como realidade, porque a realidade não precisa de cinema para aparecer. O Rio de Janeiro taca fogo em ônibus com criança dentro: o mundo todo está de olho nessa porra. Não precisa de Cidade de Deus nem de filme nenhum para que o mundo veja isso. E é fantástico também que, de certa forma, a gente não maquie nossa realidade. Uma das grandes forças do Brasil é chegar no Rio de Janeiro, ver que a cidade é linda e ver também que tem um monte de moleque dormindo na rua, fodido, na merda. É impossível esconder essa sujeira debaixo do tapete. Eu cheguei para fazer o A Vida Marinha de Steve Zissou e a Sessão da Tarde inteira baixava a cabeça para mim porque eu tinha feito Cidade de Deus.

A Sessão da Tarde?
Era a Família Adams, Os Caça-Fantasmas, A Mosca, Platoon: todo mundo ficando amigo, vindo na minha casa, ligando para mim, vamos fazer um projeto, empresta um dinheiro aí. Tudo porque eles se envolveram com Cidade de Deus. Então, não é bem assim. Eu sempre vou divergir um pouco dessa opinião do Bill. E ninguém pode falar desse elenco, dessa direção. Ninguém pode falar dessa edição, que foi feita por um moleque novinho e que sentou na cadeira do Oscar juntinho com aqueles malandros todos! Como é que não tem renovação? Tem sim, vamos futucar!

Em A Vida Marinha de Steve Zissou seu personagem se chama Pelé e é o cara que faz a música, anima a festa. Aos olhos americanos, o brasileiro ainda é visto por esses dois prismas: futebol e carnaval?
Não acredito que a imagem do Brasil seja essa, não. No roteiro, isso já estava determinado: queriam um afro-brasileiro que também fosse músico para tocar as versões do David Bowie em português. Testaram muitos negros no Brasil, na Itália e até nos Estados Unidos. Quando consultaram o Fernando Meirelles porque ele tinha sido o último diretor a fazer um filme com cast negro , ele disse: A única pessoa que eu conheço que pode fazer isso tudo é o Seu Jorge. Mas não fui lá porque era amigo do Fernando Meirelles, ninguém indica ninguém assim. Se ele não acreditasse em mim, não teria me indicado. Fui o maior beneficiado de todo o elenco. Uma parte do público gosta do filme, outra parte não entendeu. Só vão entender daqui a 20 anos, quando descobrirem que o Wes Anderson [diretor do longa] é um monstro, um gênio.

Foi mesmo a religião que salvou sua vida?
Eu não tenho essa relação de pecado e paraíso, de sair daqui para pagar não sei onde. Acho que a coisa é toda resolvida por aqui, mesmo. Se vacilar aqui, é aqui que tu estás fodido. Se acertar aqui, é aqui que vem a bonança. Talvez, se o Brasil tivesse sido educado nessa concepção eu nem digo religião, a gente tivesse mais mico leão dourado espalhado por aí. Mas fomos criados na concepção católica, onde é proibido, é pecado, é feio, é bonito, é com alma, é sem alma... deu essa cagada toda que está aí. Sou candomblecista sim, sou filho-de-santo pesadão como todo preto brasileiro é. Meus santos estão todos na atividade e se mexer comigo são três tambores comendo na cara. E não é papo de magia negra, não. É dança, é canto, é expressão, é sorriso, é gargalhada, é cerveja, é rango, é lombo de porco, é lingüiça de porco, é feijão, é fartura, é tambor, é todo mundo de branco! Todo mundo bem decorado, bem colorido. É cheiro de mato, cheiro de erva, é biodiversidade. Neguinho está perdendo, não sabe o que é.